No plano das práticas de consumo cultural, a televisão, a rádio e a internet são mais populares nos públicos dos 20 aos 29 anos e dos 60 aos 69. Já a leitura parece ser mais expressiva para quem tem 50 ou mais anos de idade. Esta é uma das principais conclusões da primeira fase do estudo Dinâmicas Culturais de Torres Novas, que o PolObs está a realizar para aquele município do centro do país. Na apresentação pública dos resultados da primeira fase, que aconteceu no dia 16 de julho, no auditório da Biblioteca Municipal Gustavo Pinto Lopes, o coordenador da investigação, Manuel Gama, também destacou que os públicos de Torres Novas consideram a informação e a comunicação insuficientes.
O diagnóstico feito pela equipa do PolObs tem como objetivos apresentar o contexto cultural de Torres Novas, analisar as estratégias de espaços e de eventos culturais âncora para o diálogo, o envolvimento, a fidelização, a captação e a formação de públicos, bem como avaliar o grau de satisfação com as dinâmicas culturais municipais. Os dados agora revelados—que visam instruir a elaboração do Plano Estratégico Municipal de Cultura de Torres Novas—mostram ainda que os públicos de cultura do concelho são maioritariamente urbanos e têm formação superior. Por outro lado, concluiu-se também que a oferta cultural para nichos de públicos tem vindo a ser desvalorizada em detrimento de eventos de massa. £
Entrevista:
Madalena Oliveira e Cláudia Dominguez
A primeira Lei de Imprensa em Portugal foi promulgada há 200 anos, mas a liberdade de publicar sem censura prévia não teve uma história linear nestes dois séculos. Hoje os desafios serão menos políticos e mais económicos, mas a liberdade de expressão e de imprensa continua a não ser um tema tranquilo. Nesta entrevista, o investigador do PolObs Joaquim Fidalgo assinala também que a responsabilidade de publicar deixou de ser um exclusivo dos jornalistas e alargou-se a todo o cidadão.
De que forma é que a Lei de Imprensa de 1821 pode ter influenciado o quadro regulatório da atividade jornalística em Portugal?
A primeira Lei de Imprensa surgiu há 200 anos, mas, se fizéssemos as contas, nestes 200 anos tivemos muito mais tempo sem liberdade de imprensa do que com liberdade de imprensa. Aliás, a lei de 1821, pouco tempo depois, já estava a andar para trás e quase não foi levada à prática antes de 1834. É curioso que nessa altura, saíam as leis de imprensa, mas dizia-se logo que “há aqui umas exceções que é preciso manter”. Apesar de tudo, foi uma lei importante.
A liberdade de imprensa articula-se muito com a liberdade de expressão. Hoje em dia até pode parecer uma coisa bizarra, porque no mundo digital todos nos podemos expressar sem recorrer à imprensa, mas antes da era digital as maneiras que nós tínhamos de nos expressarmos com liberdade eram direta ou indiretamente ligadas aos meios de comunicação. Não havia outra maneira. A liberdade de imprensa era um parceiro essencial da liberdade de expressão. Também é importante lembrar que os jornais desse tempo não eram exatamente aquilo que são hoje. Eram basicamente o sítio do debate político.
Há desde essa altura [19821], uma compreensão de que os poderes públicos têm de regular minimamente estas coisas, desde logo assegurando que há liberdade de expressão e liberdade de imprensa e assegurando que não há abusos dessa liberdade. E esta é que é uma zona perigosa, porque é em nome de as pessoas poderem abusar que começam muitas vezes a estabelecer-se cláusulas de exceção. O que nos levaria a outro debate: o de saber se a regulação é uma organização dos modos de funcionamento ou se é também um tipo de censura, como algumas pessoas defendem.
Pode dizer-se que esta primeira Lei de Imprensa foi inovadora?
Eu julgo que sim, que ela foi de facto inovadora, inclusivamente, segundo dizem os historiadores, porque ela terá sido feita um pouco à medida da legislação espanhola, indo um pouco mais longe. Mas foi inovadora no papel, porque durou pouco. A data continua a assinalar-se, porque foi o início deste processo, mas foi de facto apenas o início. É muito difícil falar da liberdade de imprensa em função dos textos legais genéricos sem ver as modalidades da sua aplicação. E as modalidades de aplicação é que acabaram, de um modo geral, por estragar estas coisas todas. Foi o que aconteceu durante o Estado Novo. A Constituição de 1933 dizia que era garantida a liberdade de imprensa e depois criaram-se leis específicas sobre a aplicação na prática. E as leis específicas instituíram a censura.
Inovadora ou não, que importância teve esta lei para o jornalismo e para a sociedade portuguesa, tendo em conta que, por exemplo, nos três anos do primeiro liberalismo português, se criaram mais de 100 jornais?
É preciso ter em conta que os jornais de 1820 ou 1830 não têm muito a ver com os jornais que temos atualmente. A notícia como mercadoria nessa altura praticamente não existia. E os jornais eram basicamente os locais de debate e de propaganda política. Não havia jornalistas praticamente. Havia era políticos que escreviam. Percebe-se, portanto, como os jornais eram importantes para o novo ambiente político do liberalismo e mostram como se ambicionava um espaço livre para as pessoas apresentarem as suas ideias e fazer os seus debates, sem qualquer tipo de constrangimentos. Foi isso que acabou por conduzir à industrialização da imprensa e dos meios de comunicação de massas.
Hoje ainda há alguma herança de práticas censórias na imprensa portuguesa?
Eu fico muito aborrecido quando oiço as pessoas dizer coisas como “isto hoje é pior do que era antigamente”. Eu fico aborrecido, porque é uma falta de respeito e de conhecimento sobre o que era a censura. Não há rigorosamente comparação nenhuma. E é uma grande irresponsabilidade dizer que estamos pior do que antigamente, desde logo porque o podemos dizer. Antes nem se podia dizer que “isto era pior”. A censura que nós tivemos por razões políticas era terrível e que afetou de uma maneira tremenda a vida cívica e não apenas os jornalistas.
Pode haver, sim, alguns temperos à liberdade de imprensa por via mais indireta. A censura política não existe, de facto. Mas há duas coisas que me preocupam: a censura económica e a autocensura, que estão inclusive um pouco ligadas. A censura económica tem a ver com a fuga a determinadas reportagens, a notícias ou denúncias, com receio de que isso possa perturbar um anunciante muito importante ou outros negócios.
Os jornais em Portugal são muito frágeis do ponto de vista económico e financeiro e um jornal frágil deste ponto de vista é um jornal que também é frágil do ponto de vista da sua liberdade.
Depois, há a própria autocensura. Em situações de precariedade e insegurança no emprego, os próprios jornalistas evitam assuntos. Quando somos precários, nunca somos totalmente livres.
Nós temos tido nos últimos anos, em Portugal, situações de supostos atropelos à liberdade de imprensa que vão para tribunal, que são condenados o jornal ou a televisão por difamação, por exemplo, e, na maior parte dos casos, quando há recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, as sentenças são revertidas e o jornalista é absolvido, em nome do valor da liberdade.
Que desafios se colocam hoje à liberdade de imprensa num contexto mediático que é já tão diferente do de há 200 anos?
Temos de perguntar primeiro o que é a imprensa neste momento. É tudo o que é informação e comunicação sobre a atualidade no espaço público. São jornais, são rádios, são televisões e são os social media. É a generalização do acesso. Como dizia o Umberto Eco, quando chegou a Internet, abriu-se o acesso a todos os Prémios Nobel e a todos os idiotas que queiram dizer alguma coisa. E mais, a todos os mentirosos, a todos os manipuladores, a todos os desinformados, a todos os robôs, até!
Aquilo que nós vemos hoje como concretização da liberdade de expressão nos média é infinitamente mais vasto do que era no passado. E no passado até poderia ser um pouco mais fácil estabelecer a regulação para os jornais, as rádios e as televisões, porque era um universo relativamente definido e com atores conhecidos. Agora todos nós somos atores. Todos nós podemos falar, todos nós podemos escrever, alguns até em espaços com mais audiência do que os próprios jornais.
Portanto, quando se pergunta quem é que tem obrigação de exercer a liberdade de expressão de um modo responsável, a resposta é “nós todos”! É uma questão já de cidadania. O grande desafio na minha perspetiva hoje não é tanto a regulação, mas é a autorregulação—não a profissional mas a cidadã. Todos nós, cidadãos, temos de ter uma consciência um bocadinho jornalística, no sentido em que todos temos necessidade de saber que, ao escrever uma coisa até na nossa página pessoal, estamos a fazer algo que durante séculos ou décadas foi um monopólio dos jornalistas, que tinham preparação para aquilo, tinham regras profissionais e regras éticas.
O desafio maior à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão é o facto de algo que estava acantonado a um grupo profissional e a uma indústria é qualquer coisa que, neste momento, diz respeito e implica todos os cidadãos.
As novas possibilidades de escapar a qualquer tipo de regulação ou controle existem, porque é mais fácil controlar uma dúzia de televisões do que controlar 10 milhões de cidadãos que têm todos um telemóvel ou outro dispositivo de onde podem falar para o mundo. Não há possibilidade de regular um a um. Não há possibilidade nem necessidade, nem eu acho que seja adequado. Hoje, todos nós cidadãos temos de aprender também uns com os outros e na escola, na família e em casa, temos de nos educar para a liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa não nos era ensinada. Era para os jornalistas. Ora, a partir do momento em que fazemos trabalho semelhante ao que fazem os jornalistas (difundindo informação sobre a atualidade no espaço público), temos de ser educados para esta liberdade, porque todos participamos dela.
Rui Matoso (Professor da Escola Superior de Teatro e Cinema)
PolObs :: A Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) é uma política pública de combate às assimetrias regionais?
Sim, uma vez que visa qualificar os equipamentos para a realização de um serviço público mais rigoroso e dotado de melhores práticas de gestão, mediação e programação, promovendo a regularidade da oferta cultural e a sua fruição, corrigindo assimetrias territoriais relativas à autonomia programática e harmonizando requisitos de funcionamento regular e regulamentado destes espaços e da sua utilização pelos agentes culturais. Contudo, a sua eficaz implementação depende da genuína vontade dos municípios em concretizar a cidadania cultural e a criação de novas centralidades periféricas.
PolObs :: A exclusão dos equipamentos culturais sediados nos concelhos de Lisboa e Porto, para efeitos de apoio à programação, é uma decisão justa?
Tendo em consideração que a RTCP visa efetivar os desígnios da descentralização cultural e da correção de assimetrias regionais, incentivando o mais amplo acesso às artes, é justificável que se priorize o investimento em equipamentos localizados em territórios de baixa densidade, onde a oferta cultural é mais reduzida comparativamente com Lisboa e Porto. Assim, promove-se a equidade no que concerne à fruição plural de obras e contribui para o desenvolvimento cultural do interior do país e das regiões autónomas.
por Rosa Cabecinhas
Gayatri Chakravorty Spivak
Orpheu Negro, 2021
Com tradução de António Sousa Ribeiro, a Orpheu Negro publicou uma das obras mais marcantes da produção teórica “pós-colonial”: o ensaio Can the Subaltern Speak? de Gayatri Chakravorty Spivak. No prefácio, António Sousa Ribeiro oferece uma cuidadosa contextualização da obra, explicita as suas opções de tradução e deixa clara a complexidade da questão que o título da obra enuncia. O ensaio, publicado originalmente em Inglês nos anos 80, foi revisto em edições posteriores, sendo esta tradução baseada na edição de 1999, que clarifica o sentido do título da obra, frequentemente lida de forma simplista e redutora.
Amplamente reconhecida como um marco dos Estudos Culturais e ocupando um lugar de destaque no quadro dos chamados estudos pós-coloniais, este ensaio, assume-me como uma crítica a todo o tipo de essencialismos e tornou-se, como António Sousa Ribeiro salienta, em um texto de referência para a “discussão sobre silêncio, discurso e poder”, tendo “contribuído de modo decisivo para fazer inflectir os estudos pós-coloniais, então ainda bastante incipientes, no sentido de uma reflexão feminista” (p. 12). A (re)leitura desta obra permite-nos refletir sobre novas interrogações e é de uma acutilante atualidade.
O mais recente livro Políticas Culturais Municipais: Análise de Documentos Estruturantes em Torno da Cultura, publicado pelo Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, reúne 12 estudos de âmbito nacional e internacional com a análise da cultura e suas políticas nas perspetivas constitucionais, legislativas e burocráticas. Editado pelos investigadores Manuel Gama e Pedro Rodrigues Costa, com prefácio de Moisés de Lemos Martins, a publicação está disponível em acesso aberto neste link.
A FCT acaba de aprovar para financiamento dois projetos do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, um sobre migrações, média e ativismo, coordenado por Rosa Cabecinhas, membro do PolObs, e outro sobre o comprometimento dos jovens com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que tem como investigador principal Edson Capoano. Ao todo estes projetos representam um financiamento de quase 275 mil Euros.
16 de julho
Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital entra em vigor
13 de julho
Portaria aprova regulamento dos programas de apoio às artes
06 de julho
Direção-Geral do Património Cultural anuncia novos diretores para museus nacionais
05 de julho
AR recomenda ao governo o combate à pirataria de publicações jornalísticas
02 de agosto, 16h00
Seminário Permanente “O novo Europa Criativa 21-27 – Financiamento Europeu para os Sectores Cultural e Criativo” com Sara Machado, responsável pela vertente Cultura do Centro de Informação Europa Criativa.
Link: http://bit.ly/Agenda2030_Brasil
20 de setembro, 16h00
Seminário Permanente ”Desinformação e a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital” com João Marecos, advogado em Portugal e Nova Iorque; e consultor na Organização Mundial de Saúde.